Zatôichi/The Blind Swordsman: Zatôichi/Zatôichi - 座頭市 (2003) Origem: Japão
Duração: 107 minutos
Realizador: Takeshi Kitano
Com: Takeshi Kitano, Tadanobu Asano, Michiyo Oosuku, Gadarukanaru Taka, Daigorô Tachibana, Yuuko Daike, Yui Natsukawa, Ittoku Kishibe, Saburo Ishikura, Akira Emoto, Ben Hiura, Kohji Miura
"Zatôichi, o espadachim cego"
Sinopse
Japão, século XIX. Deambulando pelos caminhos rurais do país do sol nascente, encontra-se um aparentemente inofensivo massagista cego, cuja única forma de se orientar é através do seu bordão de madeira. Num reencontro na estrada, fica bastante claro que o invisual está muito longe de não saber se defender, pois em clara desvantagem numérica, mata a maior parte dos seus oponentes com a sua espada disfarçada de bordão. Estamos perante o lendário espadachim cego “Zatôichi” (Takeshi Kitano).
Os passos errantes de “Zatôichi” levam-no a uma aldeia dominada por grupos rivais de yakuza, que aterrorizam os habitantes, extorquindo dinheiro às famílias pobres que vivem sobretudo da agricultura. O espadachim faz amizade com a Sra. “Oume” (Michiyo Oosuku), e fica a pernoitar na casa desta.
"Zatôichi Vs. Hattori Gennosuke" Pouco tempo depois, chega à aldeia um “ronin” chamado “Hattori Gennosuke” (Tadanobu Asano), acompanhado da sua esposa “O-Shino” (Yui Natsukawa), que procura trabalho como guarda-costas, de forma a poder pagar os tratamentos necessários para que a sua mulher melhore da maleita que padece. “Gennosuke”, dotado de capacidades no manejo da katana verdadeiramente impressionantes, acaba por ser contratado pelo grupo de yakuza mais poderoso.
O repertório fica completo quando duas gueixas, chamadas “Osei” (Daigorô Tachibana) e “Okinu” (Yuuko Daike) chegam à povoação, com sede de vingança sobre um dos líderes dos gangues, pelo facto de o mesmo ter sido responsável pela morte dos pais há dez anos atrás. Tendo cativado a simpatia de “Zatôichi” pela sua causa, torna-se certo que este terá pela frente “Gennosuke”, estando criado o cenário para uma luta de titãs e para uma vingança sangrenta.
"Luta debaixo da chuva"
"Review"
A personagem “Zatôichi” nasceu da inspiração do romancista japonês Kan Shimozawa, tendo-se tornado num verdadeiro ícone de popularidade no Japão,
essencialmente nos anos 60 e primeira metade dos anos 70. Neste período, um total de 25 filmes em que intervinham o espadachim e massagista cego foram realizados, e inclusive arranjou-se tempo para fazer uma série que reuniria um total de 112 episódios, debitados no pequeno ecrã entre 1974 e 1979. A personagem de “Zatôichi” serviria ainda de inspiração para o filme norte-americano de 1989, denominado “Fúria Cega”, protagonizado pelo conhecido actor Rutger Hauer. Chegados ao século XXI, era a vez do aclamado realizador e actor japonês Takeshi Kitano revitalizar um dos invisuais mais emblemáticos da sétima arte. A película foi aclamada internacionalmente, tendo arrecadado cerca de 21 prémios em certames de cinema um pouco por todo o mundo, do qual terá forçosamente de se destacar os quatro ganhos em Veneza, e os três vencidos em Sitges, entre os quais o de melhor filme neste último festival.Um dos aspectos que ressalta logo à vista neste filme, são sem dúvida os bem sucedidos combates com a “katana” travados entre “Zatôichi” e os seus infelizes oponentes. Os mesmos são rápidos e extremamente sangrentos (recorrendo ao “CGI”, ou seja, imagens geradas por computador), dando-nos a oportunidade de contemplar cenas emblemáticas dignas dos melhores “chambara”. O próprio Kitano, aquando da feitura desta película, confessou que adorava as lutas de samurais dos filmes de Akira Kurosawa, e que o combate à chuva em “Zatôichi”, era a sua forma de homenagear o grande mestre e a sua obra maioritariamente considerada mais emblemática, “Os Sete Samurais”
Os temas tratados pelo argumento são recorrentes e familiares para quem aprecia os “chambara”. Aspectos como a honra, a justiça e a vingança encontram-se presentes ao longo de toda esta longa-metragem, e que a torna bastante apetecível aos fãs do género, nos quais me incluo. A apresentação da trama é simples, mas bastante eficaz, fazendo com que o nosso interesse aumente progressivamente à medida que a película vai trilhando os seus caminhos. Em primeiro lugar, temos “Zatôichi” que no curso do sua viagem, vê-se envolvido numa situação que passa por fazer justiça numa aldeia dominada por grupos de bandidos que aterrorizam os habitantes. Mesmo assim, é necessário dizer que o herói não se atira de cabeça para o confronto. Como qualquer justiceiro que se preze é absolutamente necessário que exista alguma forma de provocação. É assim na casa de jogo, nas suas viagens pedestres, ou como culminar, na defesa das duas gueixas vingativas. O certo é que quando o rastilho é accionado já não há muita volta a dar, e em consequência temos luta até ao fim. Qualquer herói, por pouco convencional que aparente, tem de ter um opositor minimamente à altura. Nesta obra ele é corporizado em “Hattori Gennosuke”. Desde logo, achei bastante curioso a escolha do nome, pois o mesmo é uma junção de duas personagens presentes no anime “Basilisk”, no qual o filme “Shinobi: Heart Under Blade” viria a se basear. Falo de “Hattori Hanzo”, o líder máximo dos ninjas (figura histórica, que realmente existiu) e de “Gennosuke”, o líder do clã ninja “Kouga”. Certo é que tanto o anime, como o filme são posteriores a “Zatôichi”. Voltando ao contendor principal do massagista cego, há que referir que não estamos perante um vilão. “Gennosuke” é um ser honrado, que apenas aceita trabalhar para a yakuza, porque necessita do dinheiro para tratar a sua mulher doente. Não existirão bastantes objectivos mais relevantes do que estes. Estamos pois perante dois espadachins com fitos nobres, que infelizmente terão de se defrontar devido às circunstâncias da vida e porque o destino assim o quis. Tal é exteriorizado num confronto curto (o que me deixou um pouco frustrado), mas épico e a transbordar de emoção.
"A gueixa Okinu defende-se"
Takeshi Kitano dá corpo a uma personagem com um carisma considerável e bastante apelativo para o espectador. A sua representação tensa transmite-nos a ansiedade de nos fazer sempre pensar no que o "lobo em pele de cordeiro" fará a seguir, e à semelhança do filme, invoca uma competente interacção entre a vertente mais dramática e a cómica. É justo dizer que aqui Kitano assumiu um ónus bastante pesado, porquanto a personagem de “Zatôichi” foi sempre representada pelo malogrado actor japonês Shintaro Katsu, interiorizando dentro do público japonês uma certa habituação. Tadanobu Asano, outro expoente máximo do cinema nipónico cumpre bem o papel do “ronin” honrado, mas obrigado a servir bandidos em nome de algo maior, a sua esposa. Mesmo assim, já vi ambos fazerem melhor, mas é sempre um evento assinalável e compensador termos a oportunidade de observar estes dois “monstros” da sétima arte japonesa exibirem as suas inquestionáveis capacidades no mesmo filme.
Outro factor que é de elevar em “Zatôichi”, passa pela parte cómica. A película tem momentos verdadeiramente felizes neste particular e que se enquadram competentemente com as cenas mais dramáticas e violentas. Destacaria uma personagem e uma situação, que arrancaram francos sorrisos da minha pessoa. Quanto ao factor humano, o rapaz doido, que é filho do vizinho da Sra. “Oume”, e que pretende ser um guerreiro. Este seu desejo pessoal é demonstrado pelo homem a correr semi-nu e aos berros à volta da casa da amiga de “Zatôichi”. Mesmo assim, o grande momento cómico da película é quando “Shinkishi”, o sobrinho de “Oume” viciado no jogo, decide ensinar três jovens a lutar com a “katana” no quintal da casa da tia. No aspecto da comédia em concreto, cumpre mencionar mais uma tirada de Kitano que explicou pretender “ dar um certo equilíbrio ao filme, introduzindo algumas cenas cómicas de forma a torná-lo menos pesado para o espectador”. Conseguiu-o na quase plenitude.
Contudo, e não se tratasse de um filme realizado por Kitano, existem aspectos em que não se seguem as premissas usuais do género. As danças dos lavradores enxertadas no decorrer da obra e em especial a demonstração de sapateado no epílogo é verdadeiramente surrealista. “Zatôichi” vai limando os últimos aspectos da sua justiça cega, enquanto os aldeões numa espécie de festival popular vão dando uma dimensão ao filme um tanto contraproducente, tendo por base, eventualmente, uma demonstração de regozijo modernista que visa celebrar o fim das suas provações. Confesso que, como cultor mais tradicionalista deste segmento do cinema, não aprecio muito estas “nuances” rítmicas e um tanto ou quanto “nonsense” (embora originais) que foram introduzidas por Kitano.
A “justiça é cega” e encontra-se corporizada na deusa romana “Iustitia”, aquela figura vendada, de espada na mão direita e uma balança na mão esquerda, que normalmente encontramos nos edifícios que servem os tribunais deste país. “Zatôichi” é a justiça invisual que julga e pune num Japão em transição para o futuro que se aproxima da era Meiji. É uma justiça que não está adstrita a critérios formais de morosidade e por isso se torna mais efectiva, mas igualmente com possibilidade de maiores erros de avaliação. No fundo, ele representa aquela ideia tão cara a todos nós que é a do justiceiro solitário, aparentemente frágil e desprotegido, mas que na hora da verdade encontra-se pronto para agir em nome dos fracos e oprimidos. O resultado final na adaptação de uma das personagens mais queridas e emblemáticas do espectro cinematográfico do “chambara” é bastante satisfatório.
Aconselhável!
"A casa da Sra. Oume em chamas"
Trailer, The Internet Movie Database (IMDb) link
Outras críticas em português:
Avaliação:
Entretenimento - 8
Interpretação - 8
Argumento - 8
Banda-sonora -7
Guarda-roupa e adereços - 8
Emotividade - 9
Mérito artístico - 9
Gosto pessoal do "M.A.M." - 7
Classificação final: 8