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segunda-feira, fevereiro 22, 2010

“Testemunhos” de Miguel Patrício (“Nihon Cine Art”)

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O convidado desta semana é Miguel Patrício, o timoneiro do espaço designado “Nihon Cine Art” (para aceder, favor clicar na foto supra). Igualmente é colaborador do blogue “Retroprojecção”, que foi onde comecei a tomar contacto com os textos do nosso entrevistado. Cabe ainda referir, que é responsável pela parte de cinema da revista online “Waribashi”, uma excelente publicação “on line”, cujo objectivo é divulgar a cultura japonesa através das vertentes anime e manga.  O Miguel é, principalmente mas não só, um cultor do cinema japonês das décadas de `60 e `70, essencialmente das obras que se costumam reconduzir à “Nouvelle Vague” japonesa. O “Nihon Cine Art”, é um recanto que se aconselha tremendamente a visita, onde podemos encontrar material raro, não tão virado para cinema de massas, mas de inquestionável qualidade. Desde filmes, bandas-sonoras, textos profusamente cuidados e bem escritos e muito mais. Vale bem a pena ir dar uma espreitadela a um blogue eivado de uma erudição muito cativante.

Abaixo segue a entrevista.

“M.A.M.”: O que achas que distingue genericamente a cinematografia oriental das demais?

Miguel Patrício : Primeiro, gostava de agradecer ao Jorge Soares por me ter dado voz neste novo espaço que seguirei atentamente no futuro.

Genericamente, apenas a geografia parece contar. Mas arreigado a isto estão outras culturas, e associadas a estas, ainda outras maneiras de filmar e contar histórias. Definir a diferença entre cultura oriental e cultura ocidental parece-me ser tão complexo que desisto sem sequer tentar. Mas gostaria de dizer isto: quem vê filmes, vê sempre ou quer ver, mesmo inconscientemente, outras culturas. A ideia de Humanidade (no que ela tem de geral e, por isso mesmo, de não local) não é conquistada à priori, mas apenas adquirida quando a trama, o “pathos” nos permite. No princípio, o mundo do cinema é estrangeiro do nosso mundo.

“M.A.M.”: O que te fascina mais neste tipo de cinema?

M.P. : Talvez a tarefa mais difícil seja definir a coisa mais familiar. Nesse sentido, não consigo responder com argumentos. Mas com redundâncias: Porque me fascina!

“M.A.M.”: Tens ideia de qual o primeiro filme oriental que visionaste?

M.P. : O primeiro, não. Deve ter sido algum anime perdido num lugar qualquer da minha infância. Mas o meu primeiro amor (isto para sermos líricos; porque quando se fala de paixões há que sê-lo) foi Sonatine de Takeshi Kitano, num serão estival da RTP2 há uns oito, nove anos atrás. Lembro-me de ser menino e não conseguir dormir à noite pela beleza amarga de tudo aquilo…

“M.A.M.”: Qual o país que achas, regra geral, põe cá para fora as melhores obras? No fundo, a tua cinematografia oriental favorita?

M.P. : Sou muito parcial no que diz respeito a este tópico. Quem me conhece pensa que defendo incondicionalmente o cinema japonês. Não o faço por menos, é verdade. Mas, de facto (e querendo legitimar a minha afinidade, digamos, injustificável) como posso eu não defendê-lo? Um cinema que passou dos melodramas mais lacrimejantes e das aventuras mais trepidantes e sem par, para a revolução estética e ética da Nouberu Bagu? Um cinema que em todos os domínios se destaca e que constantemente se reinventa? Como não amá-lo de corpo e alma?

Esse é, talvez, a grande vantagem do cinema nipónico em relação a todo o outro cinema oriental: um é mais completo do que o outro. Tal deve-se, no meu ponto de vista, ao facto do Japão ter crescido muito mais depressa do que o resto da Ásia. Só muito recentemente é que os outros países dão de si de maneira maciça. Em muitos casos, não deixam de ser ainda filmes de terceiro-mundo (o que não significa falta de qualidade), isto quer dizer, filmes em que as questões sociais se sobrepõem às psicológicas, em que muitas vezes o documentário anda de mãos dadas com a ficção.

“M.A.M.”: E já agora, qual o género com o qual te identificas mais? És mais virada para o drama, épico, wuxia, “Gun-fu”...

M.P. : Gosto sobretudo do género anti-género, isto é, os meios mediante os quais algo se torna dissidente, transgressor.

“M.A.M.”: Uma tentativa de top 5 de filmes asiáticos?

M.P. : A pergunta anuncia a impossibilidade dessa tarefa. Mas se puder mudar o critério, consigo. Top 5 de filmes excelentes. Aí vão alguns:

Eros Plus Massacre (Kiju Yoshida, 1969), The Man Who Left His Will on Film (Nagisa Oshima, 1970), Mandala (Akio Jissoji, 1972), Pastoral: To Die in the Country (Shuji Terayama, 1974), Noisy Requiem (Yoshihiko Matsui, 1988).

“M.A.M.”: Realizador asiático preferido?

M.P. : De entre estes, venha o diabo e escolha: Shuji Terayama, Kiju Yoshida, Nagisa Oshima, Yasujiro Ozu, Takeshi Kitano… etc e etc.

“M.A.M.”: Já agora, actor e actriz?

M.P. : No dia em que respondo a este questionário (9 de Novembro) comemora-se não só o vigésimo aniversário da queda do muro de Berlim, mas igualmente os 20 anos da morte de um grande actor, Yusaku Matsuda. Um bem-haja para ele.

Actrizes… qual escolher? É sabido que o amante de cinema é também um amante solitário de actrizes. Mas eu não sou como a maior parte dos fetichistas. A mim dá-me especial carinho ver as actrizes envelhecer, e não permanecer naquela imagem eterna do filme planeado. Nesta perspectiva, gostava bastante de ver como está Setsuko Hara, depois de tanto tempo excluída do mundo do cinema e não só.

“M.A.M.”: Um filme oriental sobrevalorizado e outro subvalorizado?

M.P. : Não penso que haja apenas filmes sobre ou subvalorizados. Existem épocas e correntes. Se na pintura e literatura é assim, porque não no cinema?

Posto isto, penso ser sobrevalorizado todo o fascínio que o Ocidente nutriu pela radicalidade física do cinema japonês do final dos anos 90. Falo dos filmes de gore e horror (dando, por conseguinte, muitas e variadas ideias para “remakes” americanos) que pavoneavam os festivais de cinema, mesmo os mais intelectualóides.

Uma época subvalorizadíssima são os anos 60/70 japoneses, o que corresponde à Nouvelle Vague Japonesa. Essa pertence à arqueologia cinematográfica, vício novo que eu e mais uns quantos cultivamos.

“M.A.M.”: A difusão do cinema oriental está bem no teu país, ou ainda há muito para fazer?

M.P. : Em Portugal os meios são escassos e os “nichos” insuficientes, como se sabe. Não existem, é certo, motivações que se posicionem para além do lucro na nossa modesta e interesseira difusão. Quando não farejam lucro, os distribuidores viram as costas irremediavelmente. Uns queriam uma “Hollywood” de olhos-em-bico para poderem reconquistar o mesmo público de sempre (estes têm por norma associar tudo ao Tarantino), outros, mais senhores de si, vão a Cannes e a Veneza com intuitos heróicos de levar para casa um cinema de autor para os “hospedeiros do costume”, que pagam mais para ver qual foi aquele filme exótico que ganhou o festival X.

Ousadia e honestidade não são palavras que constem no seu dicionário pessoal. A maior bênção, por isso mesmo, é a Internet: faz-nos não estar dependentes dessa gente.

“M.A.M.”: Que conselho darias a quem tem curiosidade em conhecer o cinema oriental, mas sente-se algo reticente?

M.P. : Se essa pessoa já tiver algum gosto oriental a germinar, é fácil cativar-lhe o interesse. Se não, primeiro e antes do mais, que saiba inglês ou francês. Depois, que tenha Internet (e não tenha amigos ou parentes próximos na polícia) e se prepare para ser um indigente, um ilegal. Finalmente que não tenha medo. Que isto do cinema ladra, mas não morde.

1 comentário:

tf10 disse...

Como é fácil perceber pelas respostas e mais ainda quem já o conhece de outras andanças, o Miguel Patrício evidência uma destreza intelectual pouco comum, sobretudo em alguém tão jovem, um verdadeiro filósofo, com um talento desconcertante para a escrita.
Essa sua capacidade aliada à sua obsessão pela cultura nipónica fará com toda a certeza que num futuro - mais próximo ou mais longínquo, mas que fatalmente chegará - os seus textos sirvam de suporte a qualquer celebração que se preze do cinema Japonês.
Só te faltou um sentido mais ecuménico mas esse teu bushido é mais forte do que tu! ;)

p.s. essa frase final, verdadeiramente César Monteiriana!! :)