Em 1999, numa Macau prestes a sair do domínio português, e a entrar na jurisdição da República Popular da China, vive o inspector “Ma Cheng Sing” (Chapman To), que enfrenta sérias acusações de corrupção. Sem nada ou alguém com que se preocupar, “Sing” passa os dias a embriagar-se e a jogar na grande variedade de casinos existente no território.
Certa noite numa discoteca, o bêbado “Sing” procura uma prostituta para passar a noite e acaba por ser bem sucedido nos seus intentos. No dia seguinte, acorda com uma jovem rapariga a seu lado, chamada “Cheung Bik Yam” (Isabella Leong), que afirma peremptoriamente ser a sua filha!!!
Pelos vistos, há 16 anos atrás, “Sing” tinha namorado com a mãe de “Yam” (J. J. Jia), tendo posteriormente abandonado-a. A mulher engravidou, mas nunca disse nada a “Sing”, tendo este vivido na ignorância os anos todos. Actualmente a mãe de “Yam” está morta, vítima de um cancro de pulmão, e a rapariga está só e sem dinheiro, tendo sido despejada pelo senhorio do apartamento onde vivia.
No início, “Sing” não aceita bem esta situação, tentando afastar-se de “Yam”. Contudo, acaba por se afeiçoar à rapariga e começa mesmo a tratá-la como uma filha. No entanto, a justiça não dorme, e “Sing” terá mais cedo ou mais tarde de pagar pelos seus crimes.
"Review"
“Isabella” tem desde logo um extremo interesse para os portugueses, devido a vários factores relacionados com o meu país. O enredo decorre totalmente em Macau, região que esteve sob a administração nacional até 20 de Dezembro de 1999, e podemos mesmo ouvir falar português em duas partes do filme, a saber, quando um colega de “Sing” avisa-o que “Yam” tem menos de 18 anos, e mais à frente no filme quando o próprio “Sing” pede comida chinesa em vez de portuguesa (aqui não garanto que tenha sido o actor Chapman To a falar, pois o mesmo encontra-se parcialmente coberto com um vidro).
Esta longa-metragem revela antes de tudo ser um drama profícuo e profundo, onde várias sensações são despertadas no espectador, indo de extremos como a ternura ao mais puro asco, principalmente nas partes em que tememos estar perante um grotesco e infeliz caso de incesto. Depois de atingido o epílogo do filme, ficamos sempre com a dúvida se “Sing” realmente manteve relações sexuais com “Yam” ou não. Ambas as posições são perfeitamente defensáveis, pelo que quanto a este aspecto não tomarei partidos. Sinceramente é meu franco desejo não opinar acerca deste aspecto… Só vos posso dizer que quando “Isabella” concorreu ao Urso de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Berlim, a frase chamativa que se encontrava no cartaz promocional era “Is she a one night stand – or is she his daughter?”. Julgo ser bastante ilustrativo.
Outra grande marca “tuga” presente na película é sem dúvida a banda-sonora. Muita guitarra portuguesa, perfeitamente enquadrada nas cenas e nos belos cenários da cidade, um misto de arquitectura colonial portuguesa, com edifícios modernos e bairros chineses tradicionais. No fim ouve-se inteiramente “Ó gente da minha terra”, da fadista Mariza. Sintomático q. b., confesso que gostei imenso de tal facto, apesar de não ser grande apreciador de fado. O agrado decorre mais de termos algo nosso impregnado num filme asiático de boa qualidade, para além do facto de “Isabella” ter vencido o Urso de Prata de Berlim para melhor banda-sonora.
Visionando “Isabella”, apercebemo-nos que os portugueses não são bem vistos por alguns segmentos da população autóctone de etnia chinesa. Um dos colegas de “Sing”, interpretado pelo competente actor Anthony Wong, está constantemente a criticar os meus conterrâneos. Vejamos alguns exemplos: “Não podes confiar nos portugueses. Os antepassados deles eram piratas. Eles são piratas!” – de facto, os portugueses são conhecidos por terem sido um povo de descobridores e navegadores, deveríamos ter uns piratas lá no meio; “Não sei como é que os portugueses conseguem comer esta porcaria” – tudo uma questão de gostos meu caro, venha daí essa dobrada à moda do Porto!
A trama encontra-se bem estruturada. O realizador Edmond Pang aposta muito nas subtilezas e nas induções, surpreendendo-nos em variadíssimas cenas, levando-nos a pensar que vai acontecer uma coisa, quando na realidade acontece outra completamente distinta. Na parte pseudo-incestuosa, por duas vezes somos levados a pensar que vamos ver qualquer coisa de chocante a este respeito. Numa, vemos “Sing” a berrar com “Yam” “Para de foder com os outros!”, logo em seguida deparamo-nos com o polícia a acordar com uma mulher nua ao lado, sai um sonoro “Ufa!”, quando nos apercebemos que não é “Yam”! Noutra, num corredor, vemos a confusão de pernas de “Sing” e “Yam”, pensando que alguma fúria sexual tomou conta dos dois, para afinal apercebermo-nos que a rapariga encontra-se embriagada e “Sing” pachorrentamente carrega-a para o apartamento. São muitas cenas deste género, e nem sempre relacionadas directamente com a relação de “Sing” e “Yam”. Quanto a induções, que dizer acerca de “Sing” identificar “Yam” como filha, e esta falar dele aos amigos como o seu amante? Ficamos no amor paternal, fraternal, etc., etc., etc. Pang adora mesmo brincar com as nossas mentes!
Chapman To oferece-nos uma representação de qualidade acima da média. Já conhecia este actor do célebre “Infiltrados”, e depois de “Isabella”, comecei ainda a gostar mais do seu estilo de representação simples e honesto. Isabella Leong, a jovem cantora e actriz que faz 19 anos precisamente daqui a uma semana, deslumbra em todos os sentidos. Apesar da sua relativa inexperiência nas lides da sétima arte, demonstra ser uma actriz a olhar com muita atenção no futuro. Julgo não estar enganado, quando vaticino que uma nova diva do cinema asiático estará a nascer. O facto de ser linda de morrer também ajuda, é certo!
Por esta altura, já devem ter reparado que em momento algum menciono “Isabella”, nome próprio que intitula o filme, como personagem. Não vos direi a razão para tal. Antes pelo contrário desafio-vos a ver o filme, e descobrir tanto os contornos óbvios, como os menos visíveis.
“Isabella” é um filme de elevada qualidade, merecedor de constar em qualquer colecção de cinema, mais ainda se a mesma for de películas asiáticas.
"Uma reprimenda amigável de pai para filha?"
Trailer, The Internet Movie Database (IMDb) link
Outras críticas em português:
Avaliação:
Entretenimento - 7
Interpretação - 8
Argumento - 8
Banda-sonora - 9
Guarda-roupa e adereços - 7
Emotividade - 9
Mérito artístico - 8
Gosto pessoal do "M.A.M." - 8
Classificação final: 8
2 comentários:
Estava reticente quanto ao filme, mas parece que estava enganado. Vou comprá-lo.
Eu gostei do filme Bakemon. Acho que tem muita substância! Se não gostar, não me venha cobrar a seguir, eh, eh, eh!
Abraço!!!
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